terça-feira, 31 de julho de 2007

Jaded


Ela fugia sempre. Ela tentava não se envolver. Parecia insensível a tudo.
Ela não queria sofrer. Ela não queria chorar. Sempre a mesma vida. Sem emoções.
E a sala cheia ao seu redor não lhe provocava reação alguma. O espetáculo que se passava ao seu redor não lhe dizia nada. Nada importava.
Ela olhava sem entender, as pessoas que riam, que batiam palmas (e pasmem, até mesmo aplaudiam de pé frente a algo que parecia inacreditável!!!), que se emocionavam quando o quadro era trágico. Via lágrimas rolarem pelas faces dos mais passionais. E continuava sem entender. O que os deixava daquele jeito? O que era tão importante pra ele? Afinal, eram apenas pessoas fingindo algo. Elas eram pagas para aquilo. O que havia de emocionante?
Mas ela nunca perdeu sequer uma noite de sono por isso. Ela não se importava.
Foi quando ela se deparou com um espelho... não daqueles que imaginamos quando nossa mães nos contam aquelas historinhas de dormir. Era um espelho qualquer. Entretanto, um espelho peculiar, único. Em plena sala, ele estava embaçado.
Talvez fosse apenas um sonho, quem se importa? Ela tinha tudo o que poderia querer. Nada poderia derrubá-la. Afinal, ela não entendia.
Esse espelho, e sua característica mais marcante é essa, lhe concedeu um desejo.
A menina, até então, alheia a tudo e todos, tomada por súbita curiosidade, pediu para sentir.
Provavelmente assustada, saiu correndo depois disso. Voltou ao espetáculo. Quando viu a comoção de todos ao seu redor novamente, ela simplesmente saiu em busca do espelho (seria isso preocupação?). Quando o encontrou, ele lhe indicou uma prateleira de livros, na biblioteca da enorme sala. Ela então, foleou o livro. Era um daqueles livros lidos pela mamãe antes de ela ir dormir. O espelho lhe mandou "encontrar a floresta". Estranho, não?
Em meio a tantas histórias, logo essa? "Alice no País das Maravilhas"... as personagens do livro, tão excêntricas quanto as do espetáculo que antes, não lhe despertou sentimento algum.
Vendo tudo aquilo, ela se deixou levar pelas lembranças. Entrou em um mundo há muito tempo esquecido, no fundo de sua memória.
Sentiu seu coração se aquecer de repente, e em meio àquelas recordações, sentiu que seu rosto (ou ao menos, parte dele) era aquecido também. Antes que pudesse conter o que estava acontecendo, sentiu um gosto salgado na boca.
O espelho, à sua frente, de repente mostrava uma nítida imagem: seu desejo havia sido concedido.
Algo desconhecido por ela até então. Ela se sentiu surpresa, emocionada, confusa, feliz, triste, tudo ao mesmo tempo.
Mas já não tinha mais medo de sentir. Ao contrário, sabia agora o que muitas pessoas passam a vida sem descobrir: que para dar o valor merecido ao que nós temos, é preciso saber primeiro a dor que nos traz viver sem isso.
Agora, tudo tinha um sabor especial para ela. Nos espetáculos, ela se encontrava naqueles personagens tão excêntricos que uma vez lhe causaram repulsa. Ela sabia o que eles tentavam passar. Pela primeira vez, ela pôde ver que por mais diferentes que nós sejamos, nossas reações diante de muitas coisas são as mesmas.
E ela soube que, daquele momento em diante, sua vida nunca mais seria a mesma. De fato, não poderia ser melhor. Mas que o dom que lhe havia sido concedido seria guardado, como o mais valioso tesouro. Porque ela entendia o que era viver sem ele.

Recomeçar


Era um dia qualquer, ao menos, parecia ser... ela não sabia o que ia contecer, como nunca antes soubera...
Eles se encontraram pela primeira vez, ela não sabia o que fazer. Provavelmente, ela ficou completamente vermelha, como sempre fica quando está nervosa. Mas ela não sabia ao certo, somente achava. Não podia ver. Ela tremia incontrolavelmente enquanto segurava aquele cafezinho. Se não fosse uma situação tão nova, com certeza, ela teria achado engraçado.
Ela sempre foi uma menina boazinha, sempre obedeceu às regras. Até àquela noite. Ela não sabia que se sentiria daquele jeito. Ela não queria ter se sentido daquele jeito.
Ela passou tantos anos construindo muralhas ao seu redor. Ela não queria deixar ninguém se aproximar. E na maioria das vezes, ela tinha sucesso... mas não dessa vez. Provavelmente foi uma manobra involuntária, ela não percebeu o que estava acontecendo. Ou percebeu, mas simplesmente não importava mais.
Eles conversaram um pouco na hora da entrada, e as duas primeiras aulas foram rápidas demais, pois ela não prestava atenção. Ela nunca prestava, na verdade... mas dessa vez estava ainda mais alienada que nas outras...
A hora do intervalo chegou, e ela não conseguia parar de pensar naquele menino que tinha conhecido há tão pouco tempo... ela não entendia por que...
Quando eles se sentaram numa mesinha e começaram a conversar, era como se nada mais existisse... ela não queria sair dali, não fazia sentido algum sair dali.
Pela primeira vez na vida, ela não entrou para a aula. Ela tinha tanto medo que a mãe dela descobrisse... ela estava absolutamente amedrontada. Mas tudo isso ficava tão longe... ao menos do lado dele...
É como se o mundo inteiro tivesse sumido enquanto eles conversavam... ele arrancava aquilo dela, de alguma forma... perto dele, todos os medos dela vinham à tona e depois sumiam, sem deixar vestígios ou as habituais conseqüências, como se fossem apenas uma lembrança distante de um tempo que havia acabado.
Era como se ele soubesse exatamente tudo o que ela pensava, o que ela queria e o que ela temia... é como se "ele" trouxesse à tona todos os medos dela para depois fazê-los irem embora...
Quando começou a chover, ela desistiu completamente de ir pra classe... alguma coisa naquele menino a deixava fascinada. Provavelmente ela nunca entenda por que... com ele, ela não precisava falar, mas falava e ele parecia entender. Era estranho se sentir daquele jeito. Como se todas aquelas muralhas nunca tivessem sido necessárias, como se ninguém fosse capaz de atingi-la. Pela primeira vez em muito tempo ela não teve medo. Ela pôde mostrar, ao menos uma vez e à uma pessoa quem ela ralmente era... ela não quis ficar longe, ela não conseguia. Alguma coisa a prendia ali.
E todas aquelas muralhas que ela passou tanto tempo construindo tivessem ruído de repente (ela usa exatamente esse termo, lembra-se vagamente de tê-lo ouvido em um filme e tê-lo anotado em sua agenda há muitos anos atrás). De alguma forma, ainda que com muito pesar ela fale sobre isso, ela não quer esquecer. Ela se recusa a fazê-lo. Porque tudo o que ela quer é se sentir daquele jeito de novo. Porque ela precisa sentir como se alguém fosse realmente lutar contra os seus medos.
Porque ela sabe que nunca vai ser igual àquele dia. Mas ela sabe, também, que não há nenhum sentimento melhor que aquele.
E ela sabe que precisa se desapegar dessa lembrança, até que consiga pensar nela sem chorar. Até que consiga pensar nela como apenas uma lembrança... uma das melhores, uma das mais significativas... e sem dúvida uma das que ela tem mais medo de perder.